Justiça pela paz em casaDados atualizados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) apontam que, até setembro deste ano, foram registrados 24 casos de feminicídios na Paraíba. Nesse mesmo período, aconteceram 49 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), que resultaram em mortes de mulheres no Estado. A Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça da Paraíba enxerga uma acentuada escalada da incidência de casos de feminicídio e tem colocado em prática ações que visam, efetivamente, conter essa triste aceleração de crimes que atinge mulheres de todos os grupos sociais, culturais e etários.

Estatísticas do Instituto Maria da Penha revelam que o feminicídio está presente em todo o País e o Anuário da Violência Doméstica de 2023 mostrou o ranking dos estados com mais casos de feminicídio, em números absolutos, em 2022. São Paulo, com 195 feminicídios, aparece em primeiro lugar, seguido de Minas Gerais (171); Rio de Janeiro (111); Rio Grande do Sul (110); Bahia (107); Paraná (77); Pernambuco (72); Maranhão (69); Santa Catarina e Goiás (56) e Pará, com 49 feminicídios.

Justiça pela paz em casa
Juíza Anna Carla
De acordo com uma das coordenadoras da Mulher em Situação de Violência do Poder Judiciário estadual, juíza Anna Carla Falcão, existe uma extrema necessidade de abranger a interação entre os órgãos responsáveis pelo combate à violência contra a mulher, com o intento de estabelecer um fluxo de maior capilaridade, para tornar o procedimento mais célere, no que se refere a uma ação de resposta.

“É preciso, também, a adoção de mecanismos robustos, para que o decisivo enfrentamento à violência doméstica e familiar possa, efetivamente, lograr êxito. Para isso, temos promovidos diversas reuniões com as autoridades competentes no sentido de viabilizar a implementação desta demanda pelo Judiciário paraibano”, comentou a magistrada, titular da 3ª Vara Mista da Comarca de Santa Rita.

Maria da Penha
Maria da Penha: autobiografia
Em fala exclusiva à Gerência de Comunicação do TJPB, a própria Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei 11.340/2006, disse que vários fatores contribuem para os índices alarmantes de feminicídio. “Gosto de citar a falta de políticas públicas que atendem à Lei Maria da Penha, que só existem nas grandes cidades e nas capitais. Os pequenos municípios são quase que desassistidos destes equipamentos. Assim sendo, as mulheres em situação de violência dessas cidades menores não podem denunciar”, afirmou Maria da Penha, que mora em Fortaleza (CE) e costuma ser convidada para contar sua história de vida e falar sobre o processo de criação da legislação que inovou a forma de defender os direitos das mulheres vítimas de violências.

Maria da Penha é farmacêutica bioquímica e se formou na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará (UFCE), em 1966, concluindo o seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP)

Conforme a ativista, “a criação de políticas públicas depende da sensibilidade do gestor público para esta causa tão urgente, que mata as nossas mulheres e deixa órfãs as nossas crianças”. Outro ponto que ela destaca é a necessidade do investimento em educação, para garantir que as novas gerações cresçam motivadas a construir uma sociedade de paz. Ela lembra que a própria Lei Maria da Penha traz em seu inciso IX, artigo XVII, que deve haver o destaque nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. “Acredito que somente com a educação poderemos ter uma sociedade mais justa e igualitária”, ressaltou.

Lei Maria da PenhaDepois de 17 anos da promulgação da Lei Maria da Penha, o texto é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos três melhores do mundo. “Muito já foi feito, mas precisamos de muito mais, como, por exemplo, a capilarização das políticas públicas, adoção de uma disciplina de enfrentamento à violência nos currículos escolares, a capacitação periódica dos agentes que atuam diretamente com a Lei Maria da Penha”, detalhou a farmacêutica. Ela acrescentou que outros temas são defendidos pelos movimentos de mulheres, como a igualdade salarial, a divisão igualitária dos trabalhos domésticos, o enfrentamento ao assédio sexual e moral e o direito à saúde integral.

“Lutei 19 anos e seis meses para ver o meu agressor punido. Durante todo esse tempo me senti órfã do Estado. Somente quando meu caso chegou às esferas internacionais, pude ver a Justiça começar a acontecer”, lembrou Maria da Penha.

No caso de Maria da Penha, o Brasil foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e recebeu uma série de Recomendações (Caso 12.051 Maria da Penha x Brasil) para cumprir, dentre elas a prisão do agressor. “A mais importante de todas as recomendações, a meu ver, foi a de que o Brasil precisava mudar sua Lei, pois da forma como estava, o país estava sendo conivente com a situação da violência doméstica”, pontuou.

Conforme a mestre em Ciências Farmacêuticas, a partir dessa Recomendação começou a ser criado o ambiente da Lei Maria da Penha. “Minha luta começou muito sozinha e com muita dor e sofrimento, mas ao final a minha maior vitória não foi a condenação do meu agressor, mas a criação de uma Lei, batizada com o meu nome, que veio para resgatar a dignidade da mulher brasileira”.

O Caso – Maria da Penha foi vítima de duas tentativas de feminicídio pelo então marido, Marco Antônio Heredia Viveros, ambas em 1983. Sua história foi contada repetidas vezes na imprensa, em documentários e em livros, como sua biografia “Sobrevivi? Posso Contar” (ed. Armazém da Cultura, 1994). Depois de voltar para casa e seu agressor passar 15 dias preso, ele tentou matá-la eletrocutada, durante o banho. Marco Antônio Heredia Viveros é de origem colombiana, que mais tarde naturalizou-se brasileiro. Conheceu Maria da Penha no ambiente acadêmico, em 1974, casaram-se em 1976 e passaram a viver em Fortaleza, onde tiveram três filhas mulheres. Ele foi preso em 2002 e condenado a 10 anos e seis meses de prisão.

tornozeleira eletrônicaAções do TJPB – Por meio da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça da Paraíba, várias ações de combate ao feminicídio e a outros crimes têm sido colocadas em prática. A mais recente foi efetivação do que está disposto no artigo 3º da Resolução nº 412/2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual disciplina a possibilidade de monitoramento eletrônico (tornozeleira eletrônica) nas hipóteses de medida protetiva de urgência contra os agressores.

Justica_pela_Paz_em_Casa
O TJPB tem realizado campanhas em defesa da mulher

Outra medida da qual o TJPB faz parte é a implementação do aplicativo ‘Maria da Penha Virtual’. A tecnologia consiste em um aplicativo da Web progressivo (PWA), que garante à mulher vítima de violência o acesso à Justiça, a partir da automatização do pedido de medida protetiva de urgência. Acessível pelo smartphone, desktop, tablet ou outro dispositivo similar conectado à Internet, o aplicativo permite que a vítima, em um autosserviço, preencha um formulário com seus dados pessoais, dados do agressor e sobre a agressão sofrida, podendo, além de anexar foto como meio de prova, gravar áudio de seu relato e, de acordo com o caso, escolher a(s) medida(s) protetiva(s) nos termos da Lei Maria da Penha. Ao final, é gerado automaticamente um documento formato “PDF” da petição de pedido de medida protetiva de urgência para ser encaminhada à vara competente.

Historicamente, o Tribunal de Justiça da Paraíba faz parte da Semana da Justiça Pela Paz em Casa. As três edições anuais de esforços concentrados ocorrem em março – marcando o Dia das Mulheres; em agosto – por ocasião do aniversário de sanção da Lei Maria da Penha; e em novembro – por ser o dia 25 estabelecido pela ONU como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher. O Programa Justiça pela Paz em Casa é promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com os Tribunais de Justiça estaduais, e tem como objetivo ampliar a efetividade da Lei n. 11.340/2006, concentrando esforços para agilizar o andamento dos processos relacionados à violência de gênero.

A Semana também promove ações interdisciplinares organizadas que objetivam dar visibilidade ao assunto e sensibilizar a sociedade para a realidade violenta que as mulheres brasileiras enfrentam. “O Poder judiciário paraibano participou de todas as edições alcançando resultados significativos, que viabilizaram a celeridade do fluxo processual referente a tal temática”, comentou a juíza Anna Carla Falcão.

-Campanhas e atendimento – O TJPB ainda desenvolve campanhas de conscientização e informação ao público feminino. Uma delas é a Campanha do Selo de Apoio ao Enfrentamento da Violência contra a Mulher, que cria uma pauta tendo como alvo os estabelecimentos, empresas e negócios da iniciativa privada na Paraíba, no sentido de divulgar a extrema necessidade de afixar o Selo informativo, acerca do tema e os principais contatos de urgência e denúncia para os casos que envolvam violência de gênero em seus diversos ambientes, sobretudo, o doméstico e familiar.

A Campanha ‘Neste Condomínio, a Violência Doméstica não tem Morada’, é uma parceria entre o TJPB e o Sindicato da Habitação (Secovi-PB), que pactuaram a confecção de um Termo de Cooperação, para atuação conjunta, no sentido de divulgar, junto aos síndicos e administradores de condomínios de todo o Estado, a obrigatoriedade da comunicação à Polícia Militar, por intermédio do Disque 190, dentre outros, casos que envolvam violência doméstica nos condomínios residenciais, conjuntos habitacionais e congêneres. Para tanto, foram discutidos o acompanhamento e cumprimento dos termos da Lei estadual nº 11.657/2020 e alterações posteriores, a qual determina a comunicação à polícia, por parte dos condomínios residenciais, conjuntos habitacionais e congêneres sobre os casos de agressões domésticas contra mulheres.

Não é Não! Meu Corpo não é Sua FoliaOutra campanha de grande alcance é a ‘Não é Não! Meu Corpo não é Sua Folia”. A Coordenadoria da Mulher do TJPB em parceira da Rede Estadual de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Sexual representa o Poder Judiciário na Campanha articulada pela Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana e pela Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social. A Campanha visa a prevenção e a denúncia de crimes de importunação sexual, prevista na Lei 13.718/18, do Código Penal (que significa ato libidinoso na presença de alguém e sem seu consentimento) e violência doméstica durante o evento Folia de Rua e o Carnaval. A mesma ação acontece no período junino, com a ‘Não é Não! Também no São João’.

O Judiciário paraibano ainda desenvolve a Campanha ‘Sinal Vermelho’, em parceria com a rede de supermercados e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PB); o Projeto ‘Cuida de Mim’, o qual tem como objetivo disponibilizar atendimentos psicológicos às mulheres que sofrem violência doméstica e familiar. Além disso, são ofertados cursos profissionalizantes, os quais são realizados no Centro Profissionalizante ‘Nossa Senhora de Fátima’, administrado pela Associação das Esposas dos Magistrados e das Magistradas da Paraíba (Aemp).

Por Fernando Patriota

Escreva um comentário