A Vara da Infância e Juventude da Comarca de Campina Grande realizou, nessa quinta-feira (13), no formato virtual, diversas audiências concentradas, com processos de apuração de atos infracionais e ações cíveis, estando à frente os magistrados Perilo Rodrigues de Lucena e Hugo Gomes Zaher. Dentre os feitos, foi tratada uma questão envolvendo uma adolescente de origem venezuelana, pertencente à comunidade indígena de etnia Warao. As sessões on-line contaram, ainda, com a participação das promotoras de Justiça Maricelly Vieira (nos atos infracionais) e Elaine Alencar (nas ações cíveis), e dos defensores Públicos, Felisbela Martins e Admilson Villarim.

O magistrado Perilo Lucena, pontuou que já faz parte do cotidiano dos brasileiros, principalmente nas capitais e maiores centros urbanos, como a cidade de Campina Grande, o drama da população venezuelana que veio para o Brasil na condição de refugiados, em razão da grave crise humanitária naquele país. Ele destacou um grupo étnico peculiar de indígenas com grandes habilidades de artesanato e mulheres com roupas coloridas: o povo indígena Warao.

“A Lei nº 13.445/17 (Lei de Migração) assegurou aos migrantes a condição de sujeitos de direitos, dentre os quais aqueles preconizados na Lei nº 9.474/97, que trata da implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951. Por outro lado, a proteção constitucional ao Índio (art. 231, CF/88) não fez distinções entre aqueles de tribos originárias do Brasil e de outros países”, salientou o magistrado.

Perilo Lucena destacou a participação na audiência de representantes dos Direitos Humanos, por meio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção Campina Grande, e da Funai (Fundação Nacional do Índio), por trazerem esclarecimentos técnicos e práticos sobre a população Warao e, especificamente, sobre as famílias situadas em Campina. “A realização desta audiência foi um grande desafio para a equipe interdisciplinar da Vara da Infância, na oportunidade composta pela psicóloga, Lavínia Magda Barbosa e a assistente social, Viviane Rodrigues”, ressaltou o juiz.

O magistrado informou que, no caso, pelo princípio de autodeterminação dos povos (Constituição) e intervenção mínima (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), a adolescente foi mantida na comunidade Warao junto ao companheiro, lhe sendo assegurada assistência médica, assistencial e social. “É uma medida de proteção de acompanhamento, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente”, realçou Perilo Lucena.

A promotora de Justiça da Infância e Juventude da Comarca, Elaine Cristina Pereira Alencar, disse ter sido muito importante chamar a atenção para o tema. Com relação à audiência, ela citou dois pontos a serem considerados: o envolvimento de vários órgãos externos, que contribuíram com a solução da situação do acolhimento da adolescente indígena, e o fato de que, de uma forma geral, trouxe a oportunidade da proximidade com o assunto. “Esses órgãos foram bem esclarecedores para nós que fazemos a proteção da Infância e da Juventude de Campina Grande, com relação aos costumes, de como vivem os indígenas Waraos e as leis que regem a tribo. Como Sistema de Justiça, temos que priorizar, sempre, a proteção ao bem-estar da criança e do adolescente, mas com respeito a essa cultura. A demanda sobre os refugiados era algo que já vínhamos enfrentando na cidade, mas, o caso concreto nos possibilitou aproximar um pouco mais dessa temática”, enfatizou a promotora Elaine.

Na opinião da analista Judiciária, psicóloga da Vara da Infância e Juventude de Campina, Lavínia Magda Barbosa de Vasconcelos (atualmente coordenadora da Seção de Atenção Psicossocial Cível), a audiência foi relevante pela oportunidade da discussão coletiva do tema, bem como o envolvimento de diversos órgãos que tratam não apenas das temáticas da Infância e Juventude e seus direitos, mas, também, das especificidades da cultura indígena, especialmente, do povo Warao. “Uma vez que consideramos que o desenvolvimento humano é multifatorial, é primordial a existência de um espaço no qual todas as questões possam ser abordadas, além do contexto social vigente, por um viés que considere as singularidades e particularidades. Isso permite, inclusive, uma aplicabilidade da lei mais efetiva para preservação daqueles que buscam nosso serviço”, enfatizou Lavínia Barbosa.

A indigenista Especializada, Juliana Trindade, ressaltou a importância do respeito do Direito à autonomia dos povos originários. Ela evidenciou que, durante a audiência, sempre que necessário, foi dado espaço para a compreensão dos costumes, crenças e tradições Warao. “Apesar da complexidade e da convergência de temas do caso concreto, ficou demonstrada a necessidade do esforço institucional conjunto visando a garantia dos direitos da juventude indígena, conforme preconiza a Instrução normativa MJ/FUNAI 01/2016”, disse, destacando que para a comunidade indígena, a adolescente é reconhecida como jovem, e não menor.

Por sua vez, a advogada, mestre em ciência política, cientista criminal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Subseção Campina Grande, Lígia Macedo Rodrigues, chamou a atenção para a situação do processo migratório no Brasil. Segundo a jurista, o país apresenta fragilidades com relação à recepção de refugiados. “No caso dos indígenas, existe uma complexidade ainda maior, que é o fato do choque cultural. Essa audiência foi importante no sentido de que, por estarem presentes diversos órgãos governamentais, que são responsáveis pela atuação junto aos povos em situação de vulnerabilidade, permitiu que fizéssemos uma discussão profunda, envolvendo o respeito as questões culturais e, principalmente, ao fato do reconhecimento desses indivíduos, enquanto indígenas, porque a própria legislação brasileira, os tratados internacionais de Direitos Humanos e a Constituição dizem que indígenas de qualquer nacionalidade, onde quer que estejam, dentro do território brasileiro serão considerados e tratados como indígenas”, destacou Lígia Macedo, realçando que não basta apenas a aplicação da lei, mas entender o contexto em que as pessoas refugiadas estão inseridas.

Rede de Proteção – Outra audiência concentrada virtual, também de destaque, foi que envolveu uma ação conjunta entre a Paraíba e o Rio de Janeiro e teve a participação do juiz Hugo Gomes Zaher e de servidores da Vara da Infância e Juventude de São Gonçalo-RJ, da assistente social, Luciene Viana da Silva, e do psicólogo, Henrique, bem como dos familiares do menor, acolhido em Campina Grande, que residem no Rio.

Segundo informou o juiz Perilo Lucena, a ação conjunta dos setores da Infância e Juventude entre os dois Estados demonstra a complexidade da atuação em rede e a integração dos diversos setores, visando a proteção integral à criança e a defesa de seus direitos e bem-estar.

Povo das águas – Warao é uma etnia indígena que habita o nordeste da Venezuela e norte das guianas ocidentais. O termo Warao traduz como “povo do barco”, após a conexão íntima ao longo da vida dos Waraos com a água. A maioria da população é de aproximadamente 20.000 habitantes, localiza-se na região do delta do Orinoco, na Venezuela, com números menores nas vizinhas Guiana e Suriname. Sua língua falada é aglutinante, chamada também de Warao. (fonte Wikipédia)

Por Lila Santos/Gecom-TJPB

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