A Justiça Restaurativa, enquanto prática processual, tem se expandido por todo o Poder Judiciário nacional e é considerada uma técnica utilizada para tratar conflitos, de forma colaborativa, criativa e humanizada, por meio do diálogo entre infratores e das vítimas. Com iniciativas variadas, unidades judiciárias paraibanas vêm utilizando a Justiça Restaurativa no Estado. A prática é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio das Resoluções nº 225/2016 e 288/2019, e está relacionada com um novo olhar, pelo qual se tem uma Justiça mais consensual e menos adversarial.
“O TJPB, cada vez mais, vem fomentando as práticas restaurativas no Estado, reconhecendo que tal metodologia permite não só a conexão mais aprofundada das pessoas beneficiadas, mas também impulsiona a vida de vítimas de crimes e atos infracionais por meio da efetiva reparação e atendimento de suas necessidades. De outro lado, permite, também, a ressocialização do ofensor e da comunidade direta e indiretamente atingida pelos fatos danosos”, enfatizou o titular do Juizado Auxiliar da Infância e da Juventude da 2ª Circunscrição de Campina Grande, juiz Hugo Gomes Zaher.
A coordenadora dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) da Região de Campina Grande, juíza Ivna Mozart, explicou que a Justiça Restaurativa vai além do âmbito do sistema de justiça, já que o termo se refere à Justiça enquanto valor. “É mais que uma metodologia. São várias práticas que, proporcionando um espaço seguro de fala, oferecem uma forma qualificada de se relacionar, de se conectar a partir da nossa humanidade, considerando as necessidades de cada um, conferindo maior protagonismo à comunidade e levando em consideração a relação do homem com a natureza”, esclareceu, acrescentando que este caráter moderno também foi contemplado pela Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
De acordo com a coordenadora da Seção de Assistência Psicossocial da Vara da Infância e da Juventude de Campina Grande, Mickaelli King, as práticas restaurativas adotadas na Comarca são tanto para atendimento direto ao jurisdicionado quanto às equipes de execução direta. “Quando os casos são encaminhados para práticas restaurativas, avalia-se qual a mais adequada, considerando-se uma série de critérios, como existência de vínculos entre as partes, possibilidade de reparação do dano, entre outros”, explicou.
Uma vez em tramitação na esfera da Justiça Restaurativa, são realizados procedimentos como pré-círculos com ofensores e com vítimas e, depois, havendo voluntariedade e adesão, círculos de resolução de conflitos com ofensores, vítimas e suas respectivas comunidades de apoio, no âmbito processual e jurídico. Estas são as chamadas Conferências Vítima Ofensor (VOCs). “A importância da Justiça Restaurativa está no seu processo, não no resultado, embora do círculo de construção de paz possa surgir um termo de acordo. Realizamos todo o acompanhamento e depois de finalizarmos, entregamos o relatório dos círculos ao magistrado. Havendo termo de acordo, este equivalerá à sentença”, esclareceu Mickaelli King.
Boas práticas – Conforme a coordenadora, uma iniciativa de grande destaque em 2019 foi a parceria firmada com o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc VII), vinculado ao Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) que, atualmente, está em fase de transição para que se torne exclusivo ao atendimento de Práticas Restaurativas, com foco nas VOCs.
Outros exemplos foram a realização de círculos de diálogo com internos do Lar do Garoto, experiência desenvolvida antes das audiências concentradas infracionais e nas inspeções à unidade, buscando conhecer as necessidades de cada adolescente; e círculos de autocuidado com as equipes dos Centros de Referência Especializada da Assistência Social (Creas) de Campina Grande e do Lar do Garoto, de Lagoa Seca.
“Realizamos círculos de construção de paz, mais especificamente círculos de autocuidado, junto às equipes dos três Creas, possibilitando espaços seguros de diálogo e contribuindo para o entrosamento entre os seus membros, além da criação de um ambiente que favoreça o atendimento de excelência ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade”, explicou Mickaelli King, acrescentando que o projeto tem periodicidade mensal em cada Centro.
Por sua vez, no Lar do Garoto, ocorrem cerca de quatro círculos de autocuidado por ano. “Os encontros dependem da condição de realização tanto da nossa equipe, quanto da equipe da unidade, que trabalha em regime de plantão com intensa rotatividade, dificultando a concentração de todos no mesmo dia”, afirmou a coordenadora.
João Pessoa – As práticas restaurativas também foram um dos destaques da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, de acordo com a titular da unidade, juíza Antonieta Maroja. Segundo a magistrada, o uso da Justiça Restaurativa vem se constituindo como uma alternativa de aperfeiçoamento do sistema de justiça, que se utiliza da comunicação não-violenta e da ação comunicativa, provocando a emancipação dos sujeitos envolvidos no ato e uma melhor percepção de sua prática e impactos.
“Tivemos vários casos vitoriosos com a prática da Justiça Restaurativa, sobretudo os ligados a conflitos familiares e roubo, além de trabalharmos com o método dentro das unidades socioeducativas, com jovens em cumprimento de medida e profissionais que trabalham no sistema”, explicou a magistrada.
A Justiça Restaurativa pode ser utilizada, também, nos delitos de menor potencial ofensivo, como crimes contra honra (calúnia, difamação e injúria), além dos crimes de trânsito, dirigir inabilitado, confiar direção a inabilitado, lesão corporal (leve) e lesão corporal culposa, rixa, ameaça, violação de domicílio, desacato, perturbação do trabalho ou do sossego alheios, perturbação da tranquilidade, posse de entorpecente para uso próprio, entre outros.
Por Celina Modesto / Gecom-TJPB