“A principal dúvida é como o modelo vai funcionar sem novos custos nas comarcas com um único juiz”, destaca a Folha. Foram ouvidos presidentes dos Tribunais de Justiça de vários estados.
Na Paraíba, o presidente do TJPB, desembargador Márcio Murilo, disse que a mudança “será cruel” devido aos custos. Ele teme aumento da burocracia e da prescrição de processos.
“Se quisermos ter um sistema realmente operante, com poucos vícios, teremos de usar a imaginação. Qualquer despacho de um juiz em um processo o impedirá de instruir [participar da fase de análise das provas e julgamento] no futuro. Haverá muitos casos de impedimento de juízes do interior, por terem atuado no plantão, fazendo com que se nomeie outro magistrado de comarca com 100 km de distância. É aumento de custos e perda de tempo”, afirma.
Confira abaixo o inteiro teor da reportagem assinada por José Marques e Flávia Faria:
Tribunais de Justiça de todo o país têm reforçado a pressão ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para adiar a implantação do juiz das garantias no prazo de até um ano. As cortes querem tempo para ajustes que vão de inclusão de novas despesas em previsões orçamentárias a mudanças legislativas estaduais.
Em memorando enviado na última quinta (9) ao conselho, a Procuradoria-Geral da República já solicitou o adiamento.
Algumas cortes formaram grupos de trabalho para encaminhar ao CNJ sugestões para a instalação do modelo, instituído em lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro.
Outros grupos estão mais concentrados em como se dará a implementação das medidas em seus estados após a decisão do CNJ.
A lei prevê que a mudança passe a valer a partir de 23 de janeiro, mas o CNJ montou uma equipe para regulamentar como ela será aplicada.
O juiz das garantias será responsável por acompanhar os inquéritos, analisando pedidos de quebra de sigilo e de prisão provisória, por exemplo, até o recebimento da denúncia. Ele não atuará na fase posterior da ação penal, da análise das provas até a sentença, que caberá a outro magistrado, chamado juiz da instrução e julgamento.
Presidentes dos TJs consultados pela Folha se dividem a respeito da necessidade de implementação do juiz das garantias –alguns acham desnecessário, outros apoiam incontestavelmente– e da possibilidade de a medida acarretar novos custos.
Há os que dizem que não será gasto um centavo a mais, outros falam que a mudança custará caro.
A principal dúvida é como o modelo vai funcionar sem novos custos nas comarcas com um único juiz, que correspondem, segundo o CNJ, a aproximadamente 20% da Justiça estadual no país. É a queixa, por exemplo, do maior tribunal do Brasil, o de São Paulo.
Entre as 320 comarcas paulistas, 40 têm apenas um magistrado, o que deve implicar o deslocamento dos processos que não são digitalizados e dos juízes.
O conselho estuda a implantação de varas regionais em que atuem somente juízes das garantias e digitalização dos processo criminais para sanar os problemas.
Estado mais extenso do Brasil, o Amazonas já tem unidades em Manaus e no interior que fazem um trabalho similar ao do juiz das garantias. Ainda assim, com regiões de difícil acesso, há entraves em mudar o sistema em outras comarcas.
“[A lei], tal como aprovada, é de difícil aplicação, em especial nas regiões mais isoladas e de grandes dimensões territoriais, como a região amazônica”, diz o presidente do TJ-AM, Yedo Simões.
Estados vizinhos também pedem mais prazo. Roraima afirma que a data prevista em lei é inviável. O presidente do TJ de Rondônia, Paulo Kiyochi Mori, diz que “haverá sérias dificuldades para o cumprimento da lei, em face do impacto financeiro não previsto em 2020”.
Mori diz que aguarda “com preocupação” os estudos do CNJ. “Algumas comarcas de primeira entrância no estado de Rondônia são distantes entre si, o que obrigatoriamente exigirá deslocamentos de pessoas”, completa.
Assim como Rondônia, Alagoas acredita que será necessário que projetos passem pelas Assembleias Legislativas para mudar a competência de varas locais e transformá-las em varas relacionadas ao novo modelo.
O presidente do tribunal alagoano, Tutmés Airan, diz que pretende transformar uma vara da capital destinada ao combate de organizações criminosas na “vara alagoana das garantias”, com mais juízes. “Demandaria, a meu sentir, um esforço relativamente pequeno, se considerado o benefício da medida”, diz.
No Nordeste, Bahia, Paraíba e Sergipe também querem mais prazo para se adaptar à mudança. O Piauí diz ter em 70% das suas comarcas apenas um juiz titular.
Presidente do TJ paraibano, Márcio Murilo da Cunha Ramos diz que a mudança “será cruel” devido aos custos. Ele teme aumento da burocracia e da prescrição de processos.
“Se quisermos ter um sistema realmente operante, com poucos vícios, teremos de usar a imaginação”, diz.
“Qualquer despacho de um juiz em um processo o impedirá de instruir [participar da fase de análise das provas e julgamento] no futuro”.
“Haverá muitos casos de impedimento de juízes do interior, por terem atuado no plantão, fazendo com que se nomeie outro magistrado de comarca com 100 km de distância. É aumento de custos e perda de tempo”, afirma.
Na Bahia, o presidente eleito do tribunal, Lourival Almeida, diz que viu o tempo proposto com “muita perplexidade, titubeio e muita preocupação”. Apesar do prazo curto, ele é favorável à medida.
“A lei tem um lado bom, que foi trazer para o nosso ordenamento jurídico o juiz garantidor, mas por outro lado terá essas dificuldades. Vamos correr contra o tempo, mas estamos comprometidos a criar as condições”, diz.
O Rio Grande do Norte estuda a possibilidade de pedir um prazo de seis meses para a criação de atos normativos e regulamentação da medida.
Já o Espírito Santo diz que o tempo é insuficiente e ainda não definiu como a norma será aplicada.
Os TJ de Goiás, Paraná, Amapá e Rio Grande do Sul não veem dificuldades para a implementação em seus estados.
O Paraná afirma que tem 100% dos seus processos digitalizados e não precisaria aumentar custos –nos locais com apenas um juiz criminal, haveria um um rodízio: o magistrado de uma comarca atuaria como juiz das garantias da comarca vizinha.
O tribunal paranaense questiona, no entanto, como serão feitas as audiências de custódia (que analisa a necessidade de uma prisão) e apoia a criação de varas regionais.
“O CNJ veda a realização por videoconferência, o que, se mantido, pode implicar impacto financeiro e dificuldade ao Executivo para o transporte e escolta dos presos até a comarca vizinha, a fim de que o juiz de garantias possa realizar o ato”, diz, em nota.
“Solução seria a regulamentação, pelo CNJ, da possibilidade da realização das audiências de custódia por videoconferência, desde que garantido o contato pessoal do preso com seu defensor e o acompanhamento do ato pelo advogado e promotor de Justiça. Outra alternativa viável é a criação de juiz de garantias com competência regional”.
Alguns estados esperam que vagas de juízes de garantias sejam preenchidas por concursos que estão em andamento ou que terão que ser abertos durante o ano.
COM 20% DOS CARGOS VAGOS, PAÍS REGISTRA DÉFICIT DE 4.400 JUÍZES
Um a cada cinco cargos de juiz no Brasil está vago, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com o órgão, em 2018 havia cerca de 18 mil magistrados em atividade e cerca de 4.400 postos desocupados.
A maioria (69%) está lotada na Justiça estadual, ramo que tem 22% de vacância. Na Justiça Federal, que reúne pouco mais de 1.900 juízes, o índice é de 24%.
A falta de magistrados é um dos entraves para a implementação da figura do juiz das garantias pelo país. Em 20% das comarcas, há apenas um magistrado trabalhando.
Apesar dos postos vagos, o número de juízes no Brasil cresceu 14% desde 2009. As despesas do Judiciário, por outro lado, tiveram queda.
Foram gastos cerca de R$ 109,1 bilhões (valor corrigido pela inflação) em 2009. Em 2018, a despesa caiu para R$ 93,7 bilhões.
Naquele ano, chegaram à Justiça estadual, em média, 1.668 novos processos para cada magistrado. Na Justiça Federal, onde a maior parte dos casos da Lava Jato são processados, o acúmulo de trabalho é maior: foram 2.090.
Nos dois ramos do Judiciário, acumulavam-se mais de 70 milhões de processos sem solução em 2018.
Na Federal, a taxa de congestionamento, que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes em relação ao que tramitou, era de 86%. O índice cresce desde 2012, quando registrou 78%.
Na Justiça estadual, a situação é mais grave no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, com taxa de 82,1%. O de Roraima, por sua vez, teve a menor do país: 53,5%.
Em média, um processo criminal leva três anos e dez meses para chegar à primeira sentença na Justiça estadual. No Rio Grande do Sul, o tempo chega a oito anos. No Distrito Federal, por sua vez, a média é de 11 meses.
Gecom-TJPB com informações da Folha de São Paulo