Entre o fim da década de 1970 e a primeira metade da década seguinte, o trabalho dos britânicos do grupo Monty Phyton foi referência para admiradores do humor non sense, polemizando – inclusive! – com temáticas delicadas e dogmas religiosos. ‘A vida de Brian’ é exemplo disso. Nesse filme, o Monty Phyton nos mostra a história de um contemporâneo de Jesus e que passa o resto de sua vida sendo confundido com um messias.
À época, muitos religiosos e muitos conservadores mostraram-se indignados como longa-metragem. O cineasta Terry Jones, integrante do grupo satírico Monty Python, já afirmou em entrevista que hoje provavelmente não realizaria o filme ‘A Vida de Brian’ devido ao aumento do fervor religioso na sociedade atual.
Muitos outros cineastas já tiveram que enfrentar a indignação de religiosos e conservadores cristãos. Foi assim, por exemplo, com Jean Luc Godard (‘Je vous salue, Marie’), Martin Scorsese (‘A última tentação de Cristo’) e Mel Gibson (‘Paixão de Cristo’). Também com Kevin Smith (Dogma’) e Norman Jewison (‘Jesus Cristo Superstar’). Todas essas obras – de alguma forma – são influência para o novo trabalho do Porta dos Fundos. O Monty Phyton, todavia, é a maior influência.
O grupo de humoristas brasileiros acaba de lançar via Netflix mais um especial de Natal: ‘A primeira tentação de Cristo’. Minha percepção é de que muitos daqueles que agora criticam, detonam e vociferam contra esse trabalho do Porta dos Fundos sequer tiveram o trabalho de assistir. E muitos daqueles que se deram a esse trabalho não acham as piadas lá muito desrespeitosas. Rangem os dentes por não admitirem um Jesus gay.
E quando se lançam em um embate contra um jesus gay estão mostrando apenas o quanto são raivosos, preconceituosos e homofóbicos. O pensamento é bem simples: Jesus é filho de Deus; logo, é divino, exemplar e perfeito. Assim, como poderia Jesus ser gay??? Acho ‘A Primeira tentação de Cristo’, do Porta dos Fundos, mais sem graça que desrespeitoso. O elenco é muito talentoso, mas o roteiro é raso tentando ser profundo (inclusive ao mostrar as incertezas e receios de Jesus).
Lembrando que o talentoso Porta dos Fundos ganhou o Emmy Internacional de 2019 pelo seu especial de Natal de 2018, que também apresenta Jesus, mas é focado na Santa Ceia. Assim, não teve de enfrentar abaixo-assinado com um milhão de assinaturas na internet na tentativa de boicotar o produto… Prefiro ficar ao lado do talento de Gregório Duvivier, Fábio Porchat, Antônio Tabet e outros do elenco do Porta dos Fundos!
O deputado Federal Marco Feliciano foi contra essa produção e disse que “está na hora de uma ação conjunta das igrejas e pessoas de bem para dar um basta nisso”. O deputado federal Eduardo Bolsonaro também criticou o especial: “Somos a favor da liberdade de expressão, mas vale a pena atacar a fé de 86% da população? Fica a reflexão”. Importante lembrar que Feliciano e Bolsonaro são nomes doces na boca de homofóbicos…
E por falar em reflexão, não representa um risco sugerir um limite para o humor? Cristãos indignados parecem acreditar ser correto criar uma lista de temas que não devem virar piada. Morro de medo dessas percepções… Como já disse, achei esse novo trabalho do Porta dos Fundos um tanto sem graça… Mas, ainda bem, nem me passa pela cabeça alguma forma de censura contra o humor. E para terminar, respondendo à provocação feita pelo título desse texto, desrespeitoso é ser homofóbico! O especial do Porta dos Fundos é uma legítima manifestação de humor e embasada percepção sobre ‘pontos cegos’ das religiões.