Na década de 1990, em João Pessoa, entrevistei Ilda Ribeiro, a cangaceira Sila (esposa do cangaceiro Zé Sereno e ex-integrante do bando de Lampião). Ela foi uma das sobreviventes do massacre do bando em 1938.
Lembro de sua resposta quando perguntei sobre como as mulheres do bando eram tratadas por Lempião e pelos demais cangaceiros. “Muito bem tratadas. Cuidavam. Protegiam”, disse ela, destacando como era presenteada com joias e perfumes.
Sila foi sequestrada por Zé Sereno quando tinha apenas 14 anos de idade. Até a sua morte em 2005 costumava falar muito bem dos homens que integravam o bando de Lampião (apesar dos registros históricos mostrarem que opressão e preconceito reinavam).
Sila parece jamais ter conseguido enxergar o regime de privação de direitos e liberdades que sofreu. Imagino Sila na plateia de ‘As Cangaceiras – Guerreiras do Sertão’, que faz sua segunda e última apresentação neste domingo, às 19h, no teatro Paulo Pontes, em João Pessoa…
Esse premiado musical está em turnê pelo Brasil desde 2019 e mostra o cangaço a partir do olhar das mulheres. Sequestradas, abusadas sexualmente, diminuídas socialmente e violentadas em seus direitos mais básicos.
Em cerca de duas horas de espetáculo, ‘As cangaceiras’ mostra a importância de se rebelar contra as convenções sociais que sejam representativas de opressão. Saber dizer não e saber que é preciso lutar. O espetáculo é um soco no bucho de todo machuó.
Em um resumo superficial, a história é a seguinte: a esposa do líder do bando foge ao descobrir que seu filho – dado como morto, por ordem do marido – permanece vivo. Na fuga encontra outra oprimidas pelo cangaço e percebe na força desse encontro a necessidade de revolta.
Em cena um texto bem costurado (Newton Moreno), que amalgama muito bem o drama do tema com alívios cômicos bem colocados. A direção de Sérgio Modena fica mais fácil diante de um elenco qualificado afinado, com destaque para Vera Zimmermann (Deodata), Milton Filho (Promessinha) e Carol Badra (Zaroia).
Tudo é muito básico e funcional no cenário do espetáculo. Elementos móveis formados por galhos secos compõem as cenas em meio a uma luz espetacular. Além disso, a trilha sonora é toda ao vivo (com direção musical de Fernanda Maia).
Temática necessária. Espetáculo bem produzido. Atuação convincente. Texto duro, poético e divertido. Direção acertando na mosca. Os motivos são muitos para assistir ao musical ‘As Cangaceiras’. É neste domingo, às 19h, no teatro Paulo Pontes. Imperdível!